Delta do Parnaíba: pra turista ver

 

Foto: Vinícius Boneli

É um paradoxo doloroso: o maior patrimônio natural de Parnaíba está mais próximo do turista europeu do que do morador da periferia. Está mais acessível a quem chega com pacote turístico do que a uma criança da zona sul da cidade.

O que é o delta, afinal, senão um espelho d’água que já não reflete o rosto do seu povo?

Fala-se muito sobre sua beleza, sua raridade no continente, sua importância ambiental. Mas pouco — ou quase nada — se fala da ausência brutal de políticas públicas que façam o delta pertencer, de verdade, a quem nasceu às suas margens.

Isso não é acaso. É projeto.

O delta foi embrulhado, empacotado, vendido. E com ele, toda a ideia de natureza como direito coletivo virou produto. Quem não pode pagar, não entra. Quem vive do lado de fora, só vê o delta em fotos de drone ou em comerciais que falam em "experiência inesquecível". Inesquecível para quem?



Não há ônibus público para o delta. Não há política municipal que leve escolas para dentro dele. Não há incentivo real à pesquisa ou à educação ambiental que parta da realidade local. Há lancha, há champanhe, há drone — mas não há inclusão.


Enquanto isso, a juventude cresce em becos estreitos, alheia à força das marés que ajudaram a moldar sua cidade. Cresce sem tocar a água, sem saber o nome das ilhas, sem conhecer o canto dos guarás. Cresce desidratada de pertencimento.

Exploração que não se fala:

Concessões e cercamentos simbólicos: áreas do Delta são exploradas por empresas de turismo e grandes pousadas, que controlam o acesso às ilhas, aos rios e aos pontos mais famosos, como a Revoada dos Guarás ou as dunas do Morro Branco. Em muitos desses lugares, só entra quem paga — e caro.


2. Turismo para poucos: o turismo ecológico, que poderia ser uma fonte de renda sustentável para as comunidades ribeirinhas, se torna um mercado de elite, voltado para estrangeiros ou turistas com alto poder aquisitivo. Passeios custam caro, e são organizados por operadoras externas, muitas vezes sem vínculo com os moradores nativos.


3. Exclusão local: muitos parnaibanos nunca pisaram no Delta. O acesso é caro, mal divulgado para a própria população, e pouco integrado ao cotidiano da cidade. O Delta está ali, mas é como se estivesse longe — como uma vitrine intocável.

Foto: ViajarEviverJuntos


E as escolas?

Aqui está um dos aspectos mais tristes e reveladores.

As escolas da região, especialmente as públicas, pouco ou nada ensinam sobre o Delta do Parnaíba. E isso não é por acaso: é reflexo de um projeto de apagamento da identidade local. Enquanto o currículo nacional engessa o ensino, temas como história e geografia local são deixados de lado. O Delta, que poderia ser matéria viva de sala de aula, vira apenas uma imagem em folder turístico.


Os jovens não aprendem sobre o bioma, nem sobre os povos do Delta, como pescadores, artesãos, quilombolas ou indígenas que viveram ou ainda vivem às suas margens.


Não se fala da luta pela preservação ambiental, nem dos impactos das grandes empresas, da especulação imobiliária ou da ausência de políticas públicas.

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