Parnaíba está sem prefeito, dispara Gracinha
A recente crise entre Gracinha Mão Santa e o prefeito Francisco Emanuel, marcada por acusações de inexperiência, sumiço, promessa de autonomia versus interferências políticas, levanta questões essenciais sobre liderança, compromisso público e responsabilidade ética na gestão municipal.
Em primeiro lugar, é preocupante que um gestor eleito enfrente acusações de ausência física nos espaços institucionais mais elementares, como a prefeitura. Se tais relatos de “desaparecimento” se confirmarem, tornam-se indícios de desatendimento às responsabilidades que o cargo exige, não apenas de ordem administrativa, mas também de presença política e simbolicamente representativa. A população não precisa apenas de discursos ou promessas; ela exige visibilidade, diálogo e resposta concreta. A partir disso, o estilo de governar, que eventualmente se projeta como moderno, tecnológico ou autônomo, perde legitimidade se faltar transparência no cumprimento dos deveres básicos.
Depois, há a acusação de que o prefeito estaria construindo uma narrativa de independência, de que não aceita interferências, para se distanciar daqueles que ajudaram a impulsionar sua carreira política. Isso suscita a reflexão: até que ponto a autonomia de gestão justifica um rompimento abrupto com respaldos políticos anteriores? Politicamente, alianças são fundamentais. Moralmente, há um compromisso tácito de lealdade com eleitores que viram nas alianças anteriores uma promessa de continuidade de governo. Traçar essa linha entre autonomia e abandono de expectativas é delicado. Romper pode ser legítimo; trair, até por omissão, exige uma explicação convincente.
Outro ponto relevante é a forma como se dão essas disputas de poder. A exoneração em massa de cargos comissionados ligados à família Mão Santa, por exemplo, pode ser vista sob duas lentes: uma tentativa de reformular a gestão em busca de eficiência ou uma ação simbólica de ruptura que penaliza quem colaborou previamente. É legítimo substituir nomes e reorganizar secretarias baseado em critérios técnicos ou novos projetos. Não é legítimo fazê-lo dando a impressão de retaliação ou partidarização pessoal. O gestor precisa, ao menos, garantir que tais medidas não prejudiquem a prestação de serviços ao cidadão ou provoquem instabilidade institucional.
Não se pode esquecer que governo local é sobretudo serviço. Problemas de saúde, infraestrutura, saneamento, transporte, limpeza urbana, atendimento ao cidadão não toleram impasses políticos prolongados. O que Gracinha chama de “cidade sem prefeito” denuncia uma percepção de abandono administrativo, ou pelo menos de lentidão ou descuido na resposta. Mesmo que parte das reclamações tenha tom político, elas se enraízam no descontentamento da população. E se há uma percepção generalizada de que o gestor não está presente, não ouve ou não responde, isso corrói a confiança e mina a governabilidade.
Finalmente, há uma faceta ética da autoridade que se manifesta na coerência entre aquilo que se promete e aquilo que se executa. Se Francisco Emanuel afirmou que não permitiria interferências externas, essa promessa precisa se traduzir em clareza sobre competências, prestação de contas, articulação com apoiadores e transparência na comunicação. Governar é também estar disponível, para parceiros, para adversários, para a população. Quando a falta de explicação ou de diálogo se sobrepõe ao exercício das atribuições, há risco de erosão institucional.
Em suma, essa crise entre Gracinha e Francisco Emanuel é mais do que um conflito pessoal: simboliza um desafio para Parnaíba. A cidade paga o preço quando alianças políticas se desfazem repentinamente, quando gestores se isolam ou fogem ao debate público, quando a promessa de autonomia vira desculpa para evitar prestação de contas. Espera-se que este momento seja aproveitado para resgatar presença, clareza de propósito, diálogo e responsabilidade, porque Parnaíba merece ser bem governada, não apenas por gestão técnica, mas por compromisso com quem vive nela.
